Emanuel AmaralO ex-deputado analisa os projetos de ZPE e opina que o mais correto seria o governo assumir a estrutura e não privatizar
O senhor defende que o Estado transforme suas duas Zonas de Processamento da Exportação (ZPEs) - a de Açu e a de Macaíba - em uma Área de Livre Comércio que englobe outros municípios. Ainda dá para fazer isso?
Realmente, a ideia defendida há anos, com vários discursos e debates inseridos nos Anais da Câmara dos Deputados, seria a incorporação das ZPEs de Macaíba e Açu a uma “área de livre comércio”, ao lado do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, que abrangeria outros municípios da Grande Natal. É um crime a exclusão de Parnamirim, São Gonçalo do Amarante, bem como de Extremoz, Ceará Mirim e outros municípios. Esse modelo de ampliação de ZPES ocorreu em Roraima, com a “Área de Livre Comércio de Boa Vista – ALCBV”, que agregou os municípios de Boa Vista e Bonfim, onde existiam ZPES isoladas. Se ZPE e “área de livre comércio” são a mesma coisa, por que Roraima fez questão de transformá-las em ALC? Outra providência simultânea seria o governo do RN criar “núcleos regionais” de apoio à ALC potiguar nas regiões do agreste, sertão, litorânea, salineira, Seridó, Oeste.
Quais seriam os trâmites e o que o Rio Grande do Norte ganharia com essa mudança?
O trâmite dependeria de lei federal. Como deputado federal, por seis legislaturas e com o objetivo de ajudar a viabilizar economicamente o aeroporto de São Gonçalo do Amarante, defendi a criação de um polo turístico e exportador na “Grande Natal”, com geração aproximada de mais de 50 mil empregos, diretos e indiretos, movimentação de renda e aumento de arrecadação de impostos (ICMS, ISS e outros). Vi experiências semelhantes nos tigres asiáticos e em vários países. Escrevi artigos e publiquei livros sobre o assunto. Dizia que o RN precisava sair na frente – com imaginação e criatividade – dos outros estados, em razão de suas condições geográficas de maior fronteira marítima e aérea na América Latina e, agora, dispondo de um aeroporto na frente da Europa, África, condição que não existe em nenhum outro local do país.
Criar uma ALC ao invés de ZPE teria sido mais vantajoso para o estado?
As ZPEs adquiriram certa popularidade nas décadas de 70/80, em economias fechadas, com “reserva de mercado”. Não se pode negar o mérito do deputado Henrique Alves, que em 1988 lutou pela criação da ZPE de Macaíba. Naquela época, consideravam-se vantajosos os processos produtivos que contassem com matérias-primas e bens intermediários estrangeiros, cuja entrada era proibida ou dificultada no mercado interno. Era este o maior atrativo do conceito de plataformas de exportação (ZPE), baseado na expectativa de menores custos e maior conteúdo tecnológico. Hoje não é mais assim. As “áreas de livre comércio” expandiram-se a partir da década de 90 para substituir o modelo vigente de ZPE´s, que na experiência internacional não apresentaram grande capacidade de crescimento dos benefícios econômicos e sociais por elas gerados. As áreas de livre comércio, ao contrário da ZPE, são mais abrangentes, agrupam vários municípios e agregam várias cadeias produtivas. Esse modelo foi seguido na China, Índia, vários países africanos, Oriente Médio, Austrália, países do Leste Europeu (Rússia, Ucrânia e Polônia), Estados Unidos, México, Peru, entre outros.
Qual a principal diferença entre os dois modelos?
As áreas de livre comércio, além de beneficiarem maior número de municípios, têm a segurança jurídica de estabilidade dos incentivos, vez que estabelecidos em uma lei que só será alterada por decisão do Congresso Nacional. Outra diferença importante é que o modelo da área de livre comércio, ao contrário da ZPE, não permite controle por parte de grupos, que manipulem os incentivos, de forma “indireta”. Prevalece a competição generalizada. Haveria vantagens para as empresas do RN, que poderiam ter incentivos especiais e serem fornecedoras das unidades industriais locais, além de se expandirem dentro da área de livre comércio/RN. Teriam, ainda a oportunidade de participar na atividade exportadora sem ter que enfrentar as dificuldades de “garimpar” clientes no exterior, gastando muito dinheiro e tendo que negociar em contextos (e idiomas) estrangeiros.
As duas ZPEs do RN foram criadas, por decreto presidencial, em 2010, mas até agora pouca coisa avançou. Onde estaria o nó?
A ZPE de Macaíba foi criada, por decreto do presidente Sarney, em 1988. Depois veio a de Açu. Há alguns fatores que explicam, mas não convencem. O sul do país é contra qualquer polo exportador no nordeste. Deseja acabar até com a zona franca de Manaus. A questão é que os governantes estaduais não acreditaram nesse mecanismo, salvo o Ceará que avançou muito. O RN recebeu duas “bênçãos” divinas, que, se aproveitadas, dariam muitos empregos e oportunidades: as reservas de petróleo e gás natural (as maiores em terra do país) e a posição geográfica privilegiada no Caribe e América Latina, a mais próxima da Europa e África. Perdemos o petróleo e estamos perto de perder o aproveitamento econômico da posição de fronteira aérea e marítima para implantarmos um polo exportador e turístico. O Ceará, com mérito próprio, reagiu, esbravejou e conseguiu a refinaria de petróleo “Premium II” que está em plena construção e com data prevista de 2017 para ser inaugurada. Além disso, dispõe das obras do Aeroporto Internacional Pinto Martins de Fortaleza (será maior do que o “Aeroporto de São Gonçalo do Amarante”) quase concluídas e o Terminal Marítimo de Mucuripe, que se transformará num polo exportador de manufaturados, que seria a vocação natural do RN, através da sua área de livre comércio.
Como o senhor enxerga o processo de privatização da ZPE de Macaíba?
Devo esclarecer que falo em tese e sou favorável a privatizações, em áreas que onerem o estado. Acredito que um polo exportador, como o de Macaíba, pelo fato de liberar incentivos, isenções e recursos públicos, não deve ser privatizado. Não é que seja proibido. Apenas, não é conveniente ao interesse público. Há espaços econômicos que não podem ser privatizados. Uma empresa privada somente se interessa pela administração, caso tenha lucro. Ninguém vem para o RN para perder dinheiro. O empresário irá vender isenções de impostos, incentivos, liberação de áreas físicas, tudo pertencente ao poder público. Imagine que ideia essa!!! Esse papel deve ser do estado. É óbvio que será praticamente impossível, se o processo não for revisto, evitar as influências diretas e indiretas na concessão dos benefícios, favorecendo uns e prejudicando outros; ou favorecendo o capital externo, em prejuízo dos nacionais. Privatização numa ZPE ou ALC pode ocorrer para administrar o espaço físico da área, no que diz respeito à segurança interna, manutenção, conservação de acessos etc. Nunca para comercializar o acesso de indústrias, nacionais ou internacionais, através da concessão de isenções e incentivos. A política de Desenvolvimento Produtivo, Industrial Tecnológica e de Comércio Exterior precisa está nas mãos do governo. O governo não pode deixar de ser o agente moderador, em razão da concessão de regime fiscal, cambial e tributário diferenciados, que envolvem vultosos incentivos e isenções fiscais. O correto é que o governo implante a infraestrutura, o arruamento até a construção dos galpões. No Acre o governo agiu assim.
O senhor comenta que “é curioso o fato de apenas “uma” empresa ter apresentado proposta no recente processo de licitação (????)”. Há alguma suspeita sobre o fato dela ter sido a única a apresentar proposta?
Se a ZPE é o caminho correto e mais atraente, ao invés da área de livre comércio, modelo usado globalmente, por que outras empresas não se interessaram na concorrência, já que existe ao lado um aeroporto da dimensão do de São Gonçalo do Amarante? Não me cabe acusar ninguém. Porém me compete sugerir que o Ministério Público, Receita Federal, o Tribunal de Contas e órgãos competentes esclareçam pontos obscuros nessa privatização e, se for o caso, seja realizada uma nova licitação, com mudanças no edital. No mínimo, tudo que aconteceu é muito estranho! Tratando-se de comércio internacional pergunta-se sobre a possibilidade da infiltração de “testas de ferro” do capital estrangeiro, que indiretamente manejariam as isenções e incentivos, concedidos a esse tipo de plataforma exportadora. Se o prazo para concluir a primeira fase está exíguo seria o caso de pleitear uma prorrogação ao governo federal, considerando as dificuldades econômicas que rondam o país.
O que de curioso o senhor viu nesse processo?
O curioso é que apenas “uma” empresa apresentou proposta na privatização, justamente do ramo imobiliário, administração de imóveis e construção civil. Bom recordar que para justificar a privatização propagou-se, que haveria empresários nacionais e estrangeiros interessados em aportar recurso na ZPE de Macaíba. Onde estão esses empresários? Repito que falo em tese. Não conheço a empresa vencedora, portanto não seria leviano para acusá-la. Digo que é preciso ter cuidado porque será uma empresa privada que irá administrar, direta ou indiretamente, milhões e milhões de dólares no comércio interno e externo, sob a forma de oferta de isenções e incentivos, inclusive de ICMS. O capital e o lucro não podem ser fiscais de si próprios, por mais idôneas que sejam as pessoas. O estado não pode abrir mão de administrar, com rigor, as isenções e incentivos tributários. Eu estou apenas fazendo uma advertência, acerca de um procedimento estranho, misterioso ocorrido na privatização da ZPE de Macaíba. Se as explicações convencerem, tudo bem. Do contrário, a lei terá que agir.
Tribuna do Norte
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